Casos de racismo e injúria racial ainda são frequentes em Roraima

Nos últimos dois anos, foram mais de 50 casos de racismo ou injúria racial registrados em Roraima (foto: Nilzete Franco)
Nos últimos dois anos, foram mais de 50 casos de racismo ou injúria racial registrados em Roraima (foto: Nilzete Franco)

A loja já era conhecida. Constantemente ela voltava para comprar o material que ia precisar para trabalhar junto aos alunos. Por isso a situação foi inesperada. “Posso ver sua bolsa?”. “Mal cabe um celular”, ela pensou. Abriu. Nenhuma caneta havia sido furtada. Mas disso ela já sabia. Vergonha, humilhação, raiva. “Isso não pode acontecer”. Registrou o Boletim de Ocorrência, não para se sentir melhor, mas para evitar outros episódios.

O caso ocorreu em Boa Vista, mas parece estar longe de ser um fato isolado. Histórias como essa acontecem diariamente com homens, mulheres e crianças negras. Em setembro deste ano, em São Paulo, uma criança de 12 anos foi a única acusada de furto entre três garotas. Ela era a única negra. Na semana passada, na Bahia, uma professora foi vítima de preconceito racial por um aluno que não aceitou receber a avaliação das mãos da mesma.

Nos últimos dois anos, a Polícia Civil de Roraima registrou 55 casos de crimes de racismo e injúria racial junto a delegacias e demais unidades envolvidas na rede de proteção. Em 2018, foram seis boletins de ocorrência em relação a crimes de racismo, sendo um registrado em Rorainópolis. Até setembro deste ano, houve um caso na capital. Quando se trata de crimes de injúria, os números são maiores.

Durante 2018, foram 25 boletins de ocorrência, sendo um registrado em Iracema e os demais em Boa Vista. Em 2019, até o mês de setembro, foram 23 boletins, sendo um em Iracema, um em Caracaraí e o restante na Capital. “Vale ressaltar que os crimes de racismo e injúria racial são diferentes entre si. Assim como a penalidade, que varia de caso a caso”, explicou o diretor do Departamento de Polícia Judiciária da Capital (DPJC), Adriano Santos.

O crime de racismo está previsto na Lei 7.716/89 e ocorre quando as ofensas praticadas pelo autor atingem toda uma coletividade, ofendendo um número indeterminado de pessoas por sua raça, etnia, religião ou origem. Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial e negar ou impedir emprego em empresa privada são algumas das situações enquadradas pela Lei como crime de racismo.

Por outro lado, o crime de injúria racial está previsto no artigo 140 do Código Penal Brasileiro e ocorre quando o autor ofende a dignidade ou o decoro, utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, condições de pessoas idosas e portadores de deficiência. Nestes casos, o autor não atinge uma coletividade, e sim uma determinada pessoa, no caso a vítima.

Lei que torna racismo crime completou 30 anos em 2019

Assinada em 5 de janeiro de 1989, pelo então presidente da República José Sarney, a Lei 7.716 passou a ser conhecida pelo nome de seu autor, o ex-deputado Caó. A Lei define a punição para “os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Entre os crimes estão: impedir o acesso de uma pessoa devidamente habilitada a um cargo público ou negar emprego na iniciativa privada, que podem render penas de dois a cinco anos de reclusão. Também são tipificadas como crimes ações como recusar hospedagem em hotel ou similar, recusar atendimento em bares ou restaurantes, recusar atendimento em barbearias e impedir inscrição de aluno em estabelecimento de ensino. Para o diretor do Departamento de Polícia Judiciária da Capital (DPJC), Adriano Santos, o impedimento de inscrição de aluno é um dos mais graves dos crimes citados. A penalidade para o caso varia de um a cinco anos.

AUTOR – Carlos Alberto Caó de Oliveira era jornalista, advogado e militante do movimento negro. Nascido em Salvador, mudou-se para o Rio de Janeiro, estado pelo qual, em 1982, elegeu-se deputado federal. Como constituinte, Caó regulamentou o trecho da Constituição Federal que tornou o racismo inafiançável e imprescritível. Depois, lutou para mudar a Lei Afonso Arinos, de 1951, que tratava a discriminação racial como contravenção. Caó morreu em fevereiro de 2018, aos 76 anos.