Para governo Bolsonaro, queimadas são resultados de seca, lixo e ONGs

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o porta-voz do Palácio do Planalto, Otávio Rêgo Barros, comentaram nesta quarta-feira (21), as queimadas que atingem a região amazônica. Salles sobrevoou à tarde algumas regiões de Mato Grosso que sofrem com os incêndios e afirmou que a maior parte dos focos está localizada na área urbana.

Em entrevista à imprensa do estado, o ministro comentou que a maior parte dos pontos de queimadas é proposital, em áreas de concentração de lixo, o que é “muito ruim”. “A maior concentração de focos aqui na região está em perímetro urbano, (…) razão pela qual essa concentração de fumaça na cidade”, disse.

As afirmações estão alinhadas com o discurso do ministro à frente da pasta de Meio Ambiente, que desde o início de sua gestão estabeleceu a agenda da qualidade de saneamento básico urbana como principal programa, em detrimento da agenda de combate ao aquecimento global e mudanças climáticas. Salles também atribuiu a expansão das queimadas à estação seca. “Agora é um clima que está mais seco, mais quente, com mais vento, e isso propicia uma propagação maior dos focos”, acrescentou.

As declarações feita na noite de ontem pelo porta-voz do Palácio do Planalto, Otávio Rêgo Barros também trazem o tema para dentro do discurso governamental. Ele afirmou em conversa com a imprensa que o presidente Jair Bolsonaro têm recebido denúncias de que incêndios criminosos na Floresta Amazônica podem ter sido causados em reação à suspensão de repasses para organizações não governamentais (ONGs) e também de verbas de países para o Fundo Amazônia, projeto de cooperação internacional para preservação da floresta. As instituições já reagiram às declarações e pedem provas para o governo.

O que dizem os especialistas

As análises feitas por pesquisadores da Universidade de São Paulo, no entanto, contradizem os comentários de Salles sobre porque a fumaça das queimadas está concentrada nas cidades.

A equipe do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) usou o sistema Lidar, do Centro de Lasers e Aplicações (CLA) e, posteriormente, checado com auxílio de imagens de satélites da Nasa – a agência espacial norte-americana. Os dois sistemas permitem o monitoramento de poluentes atmosféricos e foram desenvolvidos nas últimas duas décadas com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Os pesquisadores concluíram, por exemplo, que a fumaça que atingiu a região metropolitana de São Paulo nesta semana foi proveniente de queimadas ocorridas nas regiões Centro-Oeste e Norte, entre Paraguai e Mato Grosso, abrangendo trechos da Bolívia, Mato Grosso do Sul e Rondônia.

De acordo com o pesquisador Eduardo Landulfo, responsável pelo radar de laser Lidar, a fumaça que começou a pairar sobre São Paulo entre 4 e 5 horas da tarde de domingo foi resultado de queimadas que ocorreram muito provavelmente de quatro a sete dias antes.

Relação entre desmatamento, queimadas e seca

Nota técnica emitida pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), na última terça-feira, já descartava as secas como elemento principal das queimadas que atingem a região amazônica.

“A Amazônia está queimando mais em 2019, e o período seco, por si só, não explica este aumento. O número de focos de incêndios, para maioria dos estados da região, já é o maior dos últimos quatro anos. É um índice impressionante, pois a estiagem deste ano está mais branda do que aquelas observadas nos anos anteriores”, menciona o documento.

Para análise, os pesquisadores consideram  os focos de incêndio, número consecutivo de dias sem chuva; e desmatamento no ano de 2019.

“Os dez municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndios foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento. Este municípios são responsáveis por 37% dos focos de calor em 2019 e por 43% do desmatamento registrado até o mês de julho . Esta concentração de incêndios florestais em áreas recém-desmatadas e com estiagem branda representa um forte indicativo do caráter intencional do incêndios: limpeza de áreas recém-desmatadas”, completa a nota técnica.

*Com informações da Agência Brasil e da Agência Fapesp