Mensagens vazadas indicam orientação de Moro a investigadores da Lava Jato.

A oposição defende convocação do ministro para uma CPI
A oposição defende convocação do ministro para uma CPI

Mensagens trocadas por aplicativo entre o procurador federal Deltan Dallagnol e o então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, indicam que os dois combinaram ações da Operação Lava Jato.

Reportagem do site The Intercept mostra que Moro sugeriu ao coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba que trocasse a ordem de fases da Lava Jato, cobrou agilidade em novas operações e deu pistas informais de investigação, além de conselhos estratégicos.

Por meio de nota, Moro e a força-tarefa da Lava Jato reagiram com indignação ao vazamento das conversas, que, segundo eles, não apontam qualquer ilegalidade, mas visam a atingir a megaoperação. Tanto o ex-juiz quanto os procuradores alegaram que não foram procurados pelo site antes da publicação da reportagem, classificaram como criminosa a invasão aos seus celulares e reclamaram que frases foram retiradas de contexto. Nenhum dos dois lados, porém, contestou a autoria das mensagens trocadas.

As revelações trazidas pela reportagem elevam o clima político em Brasília, tragando para o centro da crise política o superministro da Justiça e Segurança Pública. A oposição já sinaliza com pedido de convocação de Moro no plenário da Câmara e com requerimento de criação de uma CPI da Lava Jato. Com base na reportagem, lideranças petistas defenderam nas redes sociais que seja anulada a condenação do ex-presidente Lula. A oposição também anunciou que vai acionar o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para investigar a conduta do procurador.

“Quanto ao conteúdo das mensagens que me citam, não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato”, diz Moro (veja a íntegra da nota mais abaixo). “Os procuradores da Lava Jato não vão se dobrar à invasão imoral e ilegal, à extorsão ou à tentativa de expor e deturpar suas vidas pessoais e profissionais”, diz a força-tarefa da Lava Jato em nota (veja a íntegra do comunicado mais abaixo).

​O The Intercept informou que recebeu todo o conteúdo de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O material inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram de 2015 a 2018. Moro deixou o comando da Lava Jato e renunciou à magistratura no fim do ano passado ao aceitar o convite do presidente Jair Bolsonaro para comandar o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Pelo sistema processual penal brasileiro, chamado de acusatório, quem julga não pode investigar, e quem investiga não pode julgar. Por isso, a oposição alega que houve ilegalidade na condução dos processos, além de desvios de natureza ética.

Entre outras coisas, os diálogos sugerem dúvidas de integrantes do MPF quanto à denúncia que resultou na condenação do ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá (SP). Dallagnol afirmou, em um grupo, que tinha receio sobre pontos da peça acusatória que vinculavam os desvios na Petrobras à acusação de enriquecimento ilícito por parte do petista.

“Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”, escreveu o procurador quatro dias antes da denúncia.

No dia seguinte, Dallagnol reagiu com euforia ao tomar conhecimento de uma reportagem do jornal O Globo que poderia sustentar a acusação: “tesao demais essa matéria do O GLOBO de 2010. Vou dar um beijo em quem de Vcs achou isso”. “A opinião pública é decisiva e é um caso construído com prova indireta e palavra de colaboradores contra um ícone que passou incolume pelo mensalão”, comentou o coordenador da força-tarefa na véspera da apresentação da denúncia.

Em mensagem direta a Sergio Moro, dias depois, Dallagnol disse que a denúncia contra Lula era baseada em muita prova indireta de autoria. “Mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto.”

O então juiz mandou mensagem de apoio ao coordenador da força-tarefa da Lava Jato diante de críticas de juristas ao teor da denúncia. “Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme.”

Em conversa com um grupo de colegas pelo Telegram, Dallagnol adiantou como seria feito o Powerpoint com as acusações contra Lula. A exposição virou alvo de chacota de defensores do ex-presidente. “Acho que o slide do apto tem que ser didático tb. Imagino o mesmo do lula, balões ao redor do balão central, ou seja, evidências ao redor da hipótese de que ele era o dono”, escreveu.

Um dos trechos da reportagem destaca que Moro orientou ações da Lava Jato. “Olá Diante dos últimos . desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejada (sic)”, escreveu Moro a Dallagnol em fevereiro de 2016. O procurador disse que haveria problemas logísticos para acolher a sugestão. No dia seguinte, porém, foi deflagrada a 23ª fase da Lava Jato, a Operação Acarajé.

Moro também questionou, em agosto daquele ano, se não era o caso de abrir uma nova fase da operação. “Não é muito tempo sem operação?” “É sim”, respondeu Dallagnol, conforme o site. Uma nova etapa foi deflagrada três semanas depois.

Segundo a reportagem, o juiz cobrou o procurador em 2017 sobre uma tentativa de adiar o primeiro depoimento de Lula como réu em Curitiba. “Que história é essa que vcs querem adiar? Vcs devem estar brincando”, escreveu Moro a Dallagnol. “Não tem nulidade nenhuma, é só um monte de bobagem”, continuou, questionando contestações que existiam à realização do depoimento.

De acordo com conversas reproduzidas pela reportagem, procuradores do MPF envolvidos na Lava Jato reagiram com indignação à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar a Folha de S.Paulo a entrevistar Lula pouco antes do primeiro turno. A decisão, porém, acabou derrubada no mesmo dia.

Na ocasião, a procuradora Laura Tessler escreveu no grupo de membros do MPF: “Que piada!!! Revoltante!!! Lá vai o cara fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo. E depois de Mônica Bergamo [colunista da Folha], pela isonomia, devem vir tantos outros jornalistas… e a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com um Supremo desse…”. “Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”, respondeu a procuradora Isabel Groba.

Laura demonstrou preocupação com o efeito eleitoral de uma entrevista de Lula. “Sei lá…mas uma coletiva antes do segundo turno pode eleger o Haddad”, referindo-se ao ex-prefeito paulistano que acabou substituindo o ex-presidente como candidato do PT à Presidência.

O procurador Athayde Ribeiro Costa sugeriu a que a Polícia Federal manobrasse para adiar a entrevista para depois da eleição. “N tem data. So a pf agendar pra dps das eleicoes. Estara cumprindo a decisao. E se forcarem antes, desnuda ainda mais o carater eleitoreiro”, dosse.

Em março de 2016, Dallagnol parabenizou Moro pelo destaque que teve nas manifestações de rua pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff. “E parabéns pelo imenso apoio público hoje. […] Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. […]”, disse o procurador ao então juiz. “Parabens a todos nós”, respondeu Moro.

O juiz também analisou os efeitos das investigações sobre o cenário político. “Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso nao está no horizonte. E nao sei se o stf tem força suficiente para processar e condenar tantos e tao poderosos.” O impeachment de Dilma acabou se concretizando em maio daquele ano.

Informações: Congresso em Foco