Pesquisa da UFRR indica ineficácia da cloroquina e ivermectina em pacientes com Covid-19

Medicamentos não reduzem necessidade de oxigênio, admissão em UTI, ventilação invasiva, ou morte de pacientes em estado grave

Pesquisadores da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e médicos infectologistas do Hospital Geral de Roraima (HGR) publicaram um estudo na revista Pathogens & Global Health, de Londres, que mostra a ineficácia da cloroquina, hidroxicloroquina, e ivermectina no combate à Covid-19.

A pesquisa se baseia em ensaio clínico randomizado, duplo-cego comparativo destas drogas, em 167 casos graves da doença em pacientes internados no HGR, entre 1º de maio e 16 de julho de 2020. O uso dos medicamentos chegou a ser defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas estudos provam a ineficiência.

De acordo com a UFRR, a maioria dos participantes era do sexo masculino, com idade média de 53 anos, cujas condições mais comuns eram hipertensão (43,4%), diabetes (28,1%) e doenças pulmonares crônicas (5,3%). O estado clínico mais comum na entrada do paciente foram insuficiência respiratória (76,5%) e síndrome pneumônica (42,5%).

O estudo apontou que embora os medicamentos revelem um perfil de segurança favorável, eles não reduzem a necessidade de oxigênio suplementar, admissão em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), ventilação invasiva, ou morte de pacientes em estado grave. A mortalidade foi semelhante em três grupos (22,2%; 21,3% e 23,0%), sugerindo a ineficiência dos medicamentos.

“Até o momento, persistimos na busca de medicações que possam tratar efetivamente esta doença que vem devastando famílias em Roraima, e no Brasil como um todo. Estávamos com esperança nestas medicações, mas, infelizmente, os dados científicos não apontaram para eficácias que esperávamos”, avaliou o professor Allex Jardim da Fonseca, coordenador da pesquisa.

COMO SE DEU O ESTUDO?

Os participantes do estudo receberam por via oral ou sonda difosfato de cloroquina, sulfato de hidroxicloroquina ou ivermectina. Os produtos foram produzidos às cegas por uma farmácia independente, assim como os comprimidos de placebo, com o objetivo de padronizar o tratamento e o “cegamento” da equipe de pesquisa e dos participantes.

Isto é, para garantir a lisura da avaliação, participantes, médicos pesquisadores, e analisador dos dados não sabiam qual medicação cada paciente tomava, até o fim do estudo. Para dar ainda mais transparência, um estatístico independente gerou eletronicamente uma lista aleatória, que vinculava o participante em ordem cronológica de inclusão ao frasco de tratamento numerado, às cegas. Um farmacêutico não cego foi o responsável por atribuir a intervenção (único profissional não cego, mas não tinha contato com participantes ou com os pesquisadores).

As informações sobre o produto foram restritas ao farmacêutico não cego, na tentativa de minimizar o viés do observador. A quebra do cegamento estava disponível para os membros do comitê de monitoramento de dados, em caso de eventos adversos graves.

Para os participantes que receberam alta, o estado vital e os dados clínicos foram avaliados, para segurança e avaliação dos resultados, até o dia 90 após o início das medicações.

PRINCIPAIS RESULTADOS

Os pesquisadores, embora tenham encontrado um perfil de segurança favorável para os três medicamentos, em termos de toxicidade cardíaca, hematológica e hepática, não identificaram benefícios em termos de redução da necessidade de oxigênio, ventilação mecânica ou óbito.

A mortalidade foi semelhante nos três medicamentos, variando de 21,3% a 23,0%, o que sugere que os três são ineficazes neste cenário de prevenção à morte. As taxas de mortalidade dos três grupos são semelhantes aos relatos históricos de outros estudos científicos que utilizaram placebo em pacientes hospitalizados, reforçando a hipótese de inefetividade.

Também não houve diferença significativa entre as proporções e médias das variáveis clínicas e demográficas entre os grupos de tratamento, exceto por uma proporção maior de não fumantes no grupo que foi medicado com cloroquina em comparação com o grupo que tomou ivermectina (56,6% e 37,2%, respectivamente).

Os pesquisadores também observaram que entre os participantes, aproximadamente 90% precisaram de suplementação de oxigênio em algum momento durante a hospitalização, e não houve diferença no número médio de dias de necessidade de oxigênio suplementar.

A necessidade de medicamentos para manter a pressão arterial também foi semelhante entre os grupos, variando entre 20,6% e 28,0%, sem diferença estatisticamente significativa, assim como a necessidade de respirador.

Correlação entre as variáveis na admissão hospitalar e a mortalidade também mostrou que ter mais de 60 anos aumentou a mortalidade em relação aos mais jovens, e com aqueles com mais de 70 anos, o risco de morte mais que dobrou.

PESQUISA

O estudo foi registrado no REBEC, banco de dados de ensaios clínicos brasileiros, em fevereiro de 2020. Um Comitê de Monitoramento e Segurança de Dados (DSMB) independente virtual, com epidemiologistas, cardiologistas e especialistas em doenças infecciosas, foi formado para revisar o protocolo e os resultados preliminares a cada 50 participantes. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da UFRR.

“Nossa equipe agradece enormemente aos pacientes e familiares que acreditaram em nossa equipe e aceitaram participar do estudo e contribuir para a ciência. Mas um resultado negativo ainda é importante, sobretudo para não postarmos esperanças em medicações que não mudam a evolução natural da forma grave da doença”, pondera Allex Jardim.

RECONHECIMENTO

O estudo publicado pelos pesquisadores da UFRR em conjunto com o HGR foi o único estudo brasileiro a ser selecionado para contribuir com a meta-análise (estudo secundário que reanalisa resultados de múltiplos estudos randomizados para gerar uma diretriz de tratamento) realizada por uma Universidade da Inglaterra.

Esta meta-análise selecionou 27 ensaios clínicos de 17 países, totalizando dados de 3.734 pacientes tratados em todo o mundo, com foco na ação da ivermectina no tratamento da Covid-19. A meta-análise denominada “Meta-analysis of clinical trials of ivermectin to treat Covid-19 infection” foi liderada pelo professor Andrew Hill, da Universidade de Liverpool, Reino Unido.

Conforme Allex Jardim, “a seleção de nosso estudo para essa importante meta-análise internacional comprova que é possível fazer ciência de qualidade, mesmo em situação de baixo recurso. Uma equipe dedicada e bem treinada, além do compromisso ético, foi essencial para esta contribuição genuinamente roraimense à literatura médica internacional”.

Informações: Roraima em Tempo