Presos em operação da Polícia Federal contra desvio no transporte escolar, a deputada estadual Yonny Pedroso (SD) e o marido, José Wallace Barbosa da Silva, também estão sendo investigados pela Polícia Civil de Roraima por dois contratos suspeitos que somam R$ 19 milhões.
O casal dono de empresa contratada para transportar alunos em rotas que já eram cobertas por outras prestadoras é apontado pelas investigações da Polícia Civil como proprietário de outra firma que firmou contratos com o governo de Suely Campos (PP) em 2017. O G1 não conseguiu contato com a defesa Wallace.
A assessoria da deputada esclareceu que ela não é sócia na referida empresa e nunca participou da sua administração. “A defesa dos sócios da empresa deverá prestar todos os esclarecimentos e demonstrar a regularidade dos contratos. Ela não é mais sócia da empresa. Já houve alteração contratual”, diz a nota.
Segundo as investigações, um dos contratos investigados foi para a compra de livros paradidáticos (aqueles que não essenciais para o aprendizado) não entregues em sua totalidade. O outro previa a manutenção de centrais de ar em escolas e repartições públicas, serviço que não teria sido prestado.
O casal foi alvo da operação Zaragata da Polícia Federal por desvios milionários em verbas do transporte escolar no fim do ano passado. A ação aconteceu 15 dias depois de uma outra operação da PF desvendar um esquema milionário de desvio no sistema prisional que prendeu Guilherme Campos, filho da governadora, e o também deputado Renan Filho (PRB).
Presa no dia da operação, Ione foi para a Cadeia Feminina, mas depois conseguiu a conversão da prisão para domiciliar. Em 14 de janeiro tirou a tornozeleira eletrônica sem autorização expressa do juiz e tomou posse na Assembleia Legislativa, o que levou o Ministério Público Federal (MPF) a pedir novamente sua prisão.
Wallace, que ficou um mês foragido e acabou preso em São Paulo, está no Comando de Policiamento da Capital (CPC), principal quartel do estado. Antes, ele ficou 23 dias na Cadeia Pública Masculina mas, segundo a defesa, sofreu ameaças de outros presos e o juiz Helder Girão Barreto autorizou sua transferência.
Nesta nova investigação, a Polícia Civil informou que a empresa Ello Empreendimentos, pertencente a Ione e José Wallace, firmou, com a Secretaria de Educação, em 2017, um contrato de R$ 5.082 milhões para fornecer livros didáticos e outro no valor de R$ 13.142 milhões para manutenção de centrais de ar em escolas.
A Ello, segundo as investigações, obteve privilégios com o governo do estado e recebeu R$ 4 milhões no mesmo dia em que assinou contrato com a Educação pelo fornecimento de livros. O acordo previa que a empresa disponibilizasse aos alunos do ensino fundamental os livros “Povos Indígenas Brasileiros” e “África em Cores”, o que não ocorreu em sua totalidade.
De acordo com as investigações, o contrato para aquisição dos livros chamou atenção porque se tratava da aquisição de exemplares paradidáticos quando Roraima estava em momento de crise financeira, faltava merenda e transporte escolar, além de infraestrutura nas unidades de ensino.
Já no contrato de manutenção de centrais de ar, a empresa não prestou o serviço, mas ainda recebeu R$ 3 milhões governo estadual, aponta a investigação da Polícia Civil. Esse contrato previa ainda que a Ello fornecesse peças para centrais de ar para atender setores administrativos do governo.
O G1 visitou escolas indígenas na capital e no interior neste mês e encontrou unidades com centrais de ar quebradas e outras quem nem possuem o equipamento. Há casos em que alunos assistem aulas embaixo de malocas – um tipo de galpão indígena -, ou ginásio poliesportivo.
A reportagem entrou em contato com o Ministério Público Estadual para saber se há alguma investigação sobre os envolvidos citados na reportagem e informou que o caso está em sigilo. Também foi perguntado ao governo de Roraima se a empresa ainda mantém contrato com o estado e se providências serão tomadas em relação ao caso, mas não houve resposta.
Contratos suspeitos – Um relatório da Polícia Civil apontou que o então secretário de Educação, Jules Rimet, assinou o termo de ratificação de inexigibilidade de licitação, ou seja, dispensando outras empresas de participarem da concorrência da oferta de preços para livros didáticos.
O ato de Rimet foi publicado no Diário Oficial do Estado de Roraima (DOERR) do dia 28 de julho de 2017 e reconhecido pela Procuradoria Geral do Estado, com base no trecho da Lei de Licitação que dispensa concorrência aberta. A Ello, em seguida, foi contratada por R$ 4,066 milhões e ficou encarregada de entregar o material didático à Educação.
A prestação de serviço para manutenção de centrais de ar foi ganha pelo Ello por meio de pregão eletrônico no dia 21 de março de 2018. O atendimento seria feito nas escolas estaduais e repartições públicas, tanto da capital quanto do interior.
Pagamentos feitos à empresa – Durante as investigações, a Polícia Civil verificou no Sistema Integrado de Planejamento, Contabilidade e Finanças (Fiplan) do estado que, no dia 23 de junho de 2017, houve pagamento integral de R$ 4,066 milhões à empresa. O valor foi creditado na conta da Ello antes mesmo da assinatura do contrato. O montante, no entanto, foi estornado ao governo.
“Isso indica que tentaram pagar a empresa antes mesmo da assinatura do contrato. Essa suspeita fica mais evidente quando analisamos o processo e constatamos que o contrato foi assinado dia 31 de julho, mesmo dia do pagamento. Ressalte-se que depois da assinatura do acordo existe um trâmite administrativo para pagamento. Se foi pago naquele mesmo dia, os livros teoricamente já estavam comprados, mesmo antes da assinatura do contrato, o que fortalece o indício de fraude”, destaca um agente em anonimato. A ordem da despesa foi assinada por Rimet.
Ele também disse que, embora tenha recebido pelo serviço, a firma do casal não prestou nenhum dos serviços como previsto nos contratos. No dia 26 de dezembro, foi publicado no DOERR o extrato de termo aditivo de 25% no contrato suprindo em R$ 1.016 milhão a mais no acordo com a empresa para obtenção do material didático.
Além do valor de R$ 5.082 milhões já recebidos em 2017 para pagamento de livros, a Ello embolsou mais R$ 1.674 milhão, referente a outro contrato para aquisição de material didático em abril de 2018. O custo para o erário subiu para R$ 6.756 milhões.
Acerca do recebimento pela suposta prestação de serviço de manutenção de centrais de ar, a Ello recebeu o montante de quase R$ 3,5 milhões. Segundo os investigadores, o valor daria para comprar 1.161 aparelhos novos, o que custaria, em média R$ 3 mil aos cofres públicos.
Foi observado ainda que três pagamentos, totalizando mais de R$ 2,4 milhões, foram realizados no dia 28 de setembro para empresa. Ou seja, oito dias antes do primeiro turno das Eleições de 2018, conforme sustenta a polícia. Os valores seriam referentes aos serviços de refrigeração nas unidades de ensino.
Notas de empenho obtidas pela reportagem mostram que o ex-secretário da Educação e Fazenda, Shiská Palamitshchece, ordenou alguns desses pagamentos. Shiská também é investigado pela PF por integrar a organização que desviou verbas da merenda e transporte escolar.
O ex-secretário, Jules Rimet,esclareceu que a escolha dos livros foi feita por uma Comissão Indígena e os trâmites legais para a compra do material didático foram feitos. “Não é competência de um secretário escolher livros. Além do mais, desde 2014 [gestão de José de Anchieta] se ventilou a compra desse material,que só foi feito em 2017, dentro da legalidade. Não houve ingerência nenhuma de minha parte”, afirma.
Informações: G1 Roraima