Após investigações contra desvio de recursos, MPF recomenda nomeação de interventor federal na Saúde Yanomami

Intervenção deve ser mantida pelo tempo necessário para que as medidas de reestruturação da saúde yanomami sejam implementadas. Ao menos 10 mil crianças da Terra Yanomami ficaram sem remédios por conta de esquema criminoso, segundo o Ministério Público Federal.

O Ministério Público Federal (MPF) emitiu, nesta quarta-feira (30), recomendação ao Ministro da Saúde para que nomeie um interventor federal para chefiar o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y). A medida ocorre depois da Operação da Polícia Federal em torno de desvio de recursos públicos para compra de medicamentos.

A Operação Yoasi para investigar supostas fraudes nos desvios de recursos cumpriu 10 mandados de busca e apreensão em Boa Vista. Os indícios sugerem a participação de agentes públicos e privados em práticas fraudulentas em conjunto com as duas últimas gestões do DSEI Yanomami, segundo o documento.

Entre os critérios para a escolha do interventor, o órgão pede que o Ministério da Saúde siga critérios técnicos e que o interventor tenha experiência e conhecimento em gestão de saúde e de políticas públicas aos povos indígenas. O g1 procurou o Ministério da Saúde e aguarda resposta.

O MPF instaurou um inquérito civil após denúncias relatando a falta de medicamentos para tratamento de saúde dos indígenas – especialmente verminoses e malária – e consequente crescimento dos registros de infecções, com manifestação de formas graves dessas doenças.

O órgão informou que, durante as apurações, identificou-se que o DSEI Yanomami contratou no ano de 2021 o valor de R$ 3 milhões em medicamentos essenciais – incluindo o vermífugo albendazol -, mas apenas uma parte muito pequena foi efetivamente entregue ao órgão de saúde e distribuída aos indígenas.

A investigação indica que os valores apontados em notas fiscais da empresa fornecedora eram integralmente pagos mesmo sem a entrega total dos medicamentos.

Entre os alvos da PF estão os dois ex-coordenadores do Dsei Yanomami Rômulo Pinheiro e Ramsés Almeida da Silva – exonerado no último dia 22, a farmacêutica Cláudia Winch Ceolin, o assessor de Ramsés, Cândido José de Lira Barbosa, e o empresário Roger Henrique Pimentel, dono da empresa Balme Empreendimentos LTDA – todos investigados por participação no esquema.

O esquema também simulava o envio de medicamentos para as aldeias da TI Yanomami por meio de registros falsos no Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica. Para evitar o total desabastecimento e disfarçar as irregularidades, a empresa contratada realizava doações de medicamentos em pequenas quantidades.https://1d05b7993ad553e9f26b27cba9d988b6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html

Essas irregularidades, conforme o MPF, é resultado da nomeação de coordenadores distritais por critérios políticos ao invés de técnicos. O ex-coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y) é o ex-vereador de Mucajaí Ramsés Almeida da Silva, filiado ao Republicanos.

Por se tratar de irregularidades amplamente disseminadas no DSEI-Y, o MPF quer que o Ministério da Saúde nomeie um interventor para a chefia do órgão e para garantia da correta aplicação das verbas destinadas ao atendimento dos indígenas.

O interventor também deverá investigar as denúncias apresentadas, assumir o controle dos contratos já firmados e apresentar um cronograma de ações para garantir o pleno restabelecimento do estoque de medicamentos e sua dispensação aos estabelecimentos de saúde da TI Yanomami.

A saúde Yanomami vem sendo acompanhada pelo órgão em Roraima e no Amazonas desde 2020, quando “acendeu um sinal de alerta pelo aumento dos casos de malária e dos índices de mortalidade infantil e subnutrição”.

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Os índices vão na contramão do aumento de investimentos feitos pelo Governo Federal na saúde dos indígenas. O MPF informou que o DSEI Yanomami é o distrito que mais recebe verbas em todo o Brasil, sendo mais de R$ 200 milhões desde o ano de 2020.https://1d05b7993ad553e9f26b27cba9d988b6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html

Diante da grave situação na saúde Yanomami, com crianças desnutridas, malária e avanço do garimpo ilegal em comunidades, o Ministério Público Federal em Roraima recomendou, em novembro de 2021, que o Mistério da Saúde fizesse um plano de reestruturação da assistência básica que possa reverter o cenário.

A recomendação já apontava a necessidade de intervenção do Ministério da Saúde caso as mudanças não fossem implementadas pelos gestores locais.

A intervenção deverá ser mantida pelo tempo necessário para que as medidas de reestruturação da saúde yanomami sejam implementadas.

O órgão quer ainda que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) crie um grupo específico (Sala de Situação) para acompanhar em tempo real a situação da saúde na Terra Yanomami, especialmente o surto de malária, os altos índices de desnutrição e a crônica falta de medicamentos decorrentes das irregularidades apuradas pelo MPF.

Operação da PF

A Operação da PF foi deflagrada nesta quarta-feira e cumpriu mandados de busca e apreensão na capital Boa Vista, expedidos pela 4ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal no estado.

As investigações indicam que os dois coordenadores, à época de suas respectivas gestões, firmaram o contrato com a Balme para o fornecimento de 90 tipos de medicamentos. Mas, a empresa entregou menos de 30% do previsto. O esquema teve a participação dos servidores ligados a eles e do dono da empresa contratada. A estimativa da PF é que esquema de desvio tenha movimentado R$ 600 mil.

A investigação foi aberta após o recebimento de um inquérito civil, conduzido pelo Ministério Público Federal (MPF), a partir de uma denúncia feita pelo Fantástico, sobre a situação dramática de crianças doentes, com desnutrição, malária e verminoses na Terra Indígena Yanomami. A reportagem exclusiva foi ao ar em novembro do ano passado.

Apenas em relação ao prejuízo para tratamento de verminoses, o esquema implementado no DSEI-Y teria deixado 10.193 crianças desassistida.

Os principais crimes investigados são fraude em licitação, corrupção ativa e passiva, associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação. A soma das penas para estes crimes pode ultrapassar 35 anos de reclusão.

O investigado Rômulo Pinheiro foi exonerado do cargo de coordenador do Dsei-Y em janeiro deste ano. No lugar dele assumiu Ramsés Almeida da Silva.

Desnutrição, surto de malária e garimpo

No meio da Amazônia, garimpeiros ilegais destroem a floresta em busca de ouro, enquanto indígenas que vivem em comunidades isoladas geograficamente e de difícil acesso sofrem com falta de assistência regular de saúde.

Essa ausência deixa os Yanomami vulneráveis aos invasores e a doenças. As cenas reportadas pelo Fantástico e no g1 evidenciaram a precariedade na assistência de saúde, o que resulta em desnutrição e malária – situação em grande parte agravada pelo garimpo ilegal.

Com mais de 370 aldeias e quase 10 milhões de hectares que se estendem por Roraima, fronteira com a Venezuela, e o Amazonas, a reserva Yanomami, a maior do país, enfrenta problemas tão grandes quanto a sua extensão territorial.

Ao todo, são 28 mil indígenas que vivem isolados geograficamente em comunidades de difícil acesso, mas que, em grande parte, já sofreram alguma intervenção de fora, com a ocupação de não indígenas, como é o caso dos garimpeiros – estimados em 20 mil.

Em um cenário dramático, a reportagem registrou cenas inéditas e exclusivas de crianças extremamente magras, com quadros aparentes de desnutrição e de verminose, além de dezenas de indígenas doentes com sintomas de malária nas três comunidades visitadas: Xaruna, Heweteu I e II.