Mais de 200 crianças já morreram na ‘maternidade de lona’ em Roraima

Mais de 200 crianças já morreram na ‘maternidade de lona’ em Roraima
Foto: Reprodução

Um levantamento feito pelo Roraima em Tempo apontou que mais de 200 crianças já morreram na estrutura improvisada onde funciona a Maternidade Nossa Senhora de Nazareth, em Boa Vista, mais conhecida como ‘maternidade de lona’.

De acordo com dados da própria Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), acessados com exclusividade pela reportagem, de janeiro a dezembro de 2022, 102 crianças morreram na unidade depois que nasceram. Já em 2023, até o mês de julho, morreram 94.

A Maternidade Nossa Senhora de Nazareth passou a funcionar na estrutura improvisada em 5 de junho de 2021. No entanto, a Sesau não detalhou os dados de junho a dezembro de 2021 nem de agosto a dezembro de 2023. Isso significa que o número de mortes é ainda maior.

Os dados estão em um documento que a Secretaria enviou para o deputado Armando Neto (PL), após requerimento aprovado em sessão na Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR).

Dados de mortes nascidos vivos de 2006 a abril de 2023

O parlamentar solicitou as informações em março de 2023, depois que a imprensa divulgou que, em apenas 37 adias, morreram 28 bebês na maternidade. Entretanto, a diretora geral da unidade enviou as informações ao Departamento de Apoio ao Executivo Principal e Administração Superior, no dia 6 de setembro.

Óbitos fetais na maternidade

Outros dados contidos no documento são referentes ao número de mortes fetais. Entre janeiro de 2022 e julho de 2023, a maternidade registrou 164 mortes fetais.

Assim como no caso das mortes neonatais, a Sesau não detalhou o período de junho a dezembro de 2021. E, do mesmo modo, não adicionou os dados de agosto a dezembro de 2023.

Resposta da Sesau aos questionamento do deputado Armando Neto – Foto: Reprodução

Mães procuram a Justiça

Depois de perderem os bebês, muitas mães buscam por justiça. É caso de uma mulher de 33 anos, que denunciou a morte do seu bebê após negligência na maternidade.

Conforme o relato, ela foi internada no dia 19 de novembro do ano passado na unidade, com nove meses de gestação. No local, ela recebeu diagnóstico de diabetes gestacional e hipertensão. Então ela pediu para que fizessem a cesárea devido as suas condições. No entanto, a equipe induziu o parto normal e houve complicações. Após um parto demorado, o bebê, que era seu primeiro filho, nasceu no dia 22 de novembro sem oxigênio no cérebro.

“Eu pedi aos médicos no dia do plantão para fazer cesárea, no entanto, eles não fizeram. Eles já sabiam dos riscos e mesmo assim falaram que eu tinha condições para um parto normal. Eu não conseguia respirar e nem tinha força suficiente para empurrar o meu bebê para ele nascer. Teve também muita espera para ter o meu bebê”, disse.

Do mesmo modo, a mulher explicou que a criança foi levada para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O bebê ficou internado 12 dia e no dia 4 de dezembro, ele morreu “Quando ele nasceu, ele teve uma parada cardiorrespiratória. A criança não chorou e o enfermeiro chamou a equipe e colocaram ele no oxigênio, fizeram a massagem no coração e o reanimaram. Então, ele foi para a UTI.”, explicou.

Diálise

Em julho do ano passado, três recém-nascidos morreram na Maternidade Nossa Senhora de Nazareth por falta de diálise ou uso incorreto de equipamento, conforme denúncia de médico nefrologista protocolada no Ministério Público de Roraima (MPRR).

As famílias das três crianças acionaram a Justiça em setembro por suposta negligência do Estado em relação às mortes. O advogado responsável pelo caso, Thiago Amorim, usou a denúncia do médico como apoio.

“Falta de equipamentos, falta de diálise, equipamento que não era adequado para fazer a diálise, como por exemplo, o cateter que eles estavam utilizando era cateter de adulto e que para recém-nascido não podia”, explicou o advogado.

Reforma da única maternidade de Roraima

A Maternidade Nossa Senhora de Nazareth entrou em reforma geral em 2021. Por isso, a Sesau transferiu no dia 5 de junho do mesmo ano, as pacientes do prédio da unidade para uma estrutura improvisada que a população apelidou de “maternidade de lona”.

À época, o governador Antonio Denarium (PP) disse que a situação duraria apenas cinco meses. Dois anos e meio depois, a reforma continua sem prazo para conclusão.

Em outubro de 2023, o governador enviou à Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) uma proposta que autorizava ao Executivo pegar um empréstimo de R$ 805,7 milhões. Aprovada por unanimidade entre os deputados, Denarium sancionou a lei no dia 23 daquele mês. Parte do valor deve ser aplicado na conclusão da obra da maternidade. Contudo, até o momento, o empréstimo ainda não foi aprovado pela Receita Federal.

Em dezembro, o Roraima em Tempo perguntou ao Governo do Estado se a conclusão da obra ficaria condicionado à aprovação do empréstimo. A Sesau disse que a obra estava com mais de 50% concluída e, conforme Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado junto ao Ministério Público de Roraima (MPRR), a reforma deve ser entregue até o fim de março de 2024, enquanto os trabalhos de ampliação devem ser concluídos até 2025.

Aluguel milionário

A estrutura de tendas e lonas é alugada pelo Governo do Estado. Dessa forma, em agosto de 2021, a Sesau assinou o contrato de aluguel por R$ 10 milhões por um ano. Em seguida, fez um reajuste de 18% e o aluguel passou a ser cerca de R$ 12 milhões. No dia 9 de agosto de 2022, a Sesau renovou o contrato por mais um ano e aumentou o valor para R$ 13 milhões.

Conforme a pasta, o local abrigaria a maternidade, assim como o Hospital Geral de Roraima (HGR). Contudo, em vez do HGR, o Governo instalou o Hospital de Retaguarda, fechado em março deste ano.

Em 2021, a Sesau assinou o contrato em agosto, mas apesar disso, transferiu as pacientes da maternidade para o local no dia 5 de junho. Ou seja, dois meses antes.

Fonte: Da Redação