Cinco dias depois de fazer aniversário, em janeiro deste ano, o venezuelano Misael Gonzalez Gomez, de 29 anos, recebeu uma dura notícia: foi diagnosticado com HIV. Já debilitado, pesando 50 quilos, ele precisava de medicamentos antirretrovirais e mal teve tempo para pensar.
“Foi uma decisão: minha vida ou morrer? Resolvi me dar a oportunidade de viver e vim para o Brasil”, conta Gomez, que é indígena da etnia Pemon.
No Brasil, o tratamento com antirretrovirais (que impedem o vírus HIV de se multiplicar) é universal e acessível pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Na Venezuela, o acesso também era gratuito. Mas, depois da crise que começou a afetar o fornecimento a partir de 2016, o sistema público passou a não conseguir mais atender plenamente a demanda. Com a escassez de remédios, pacientes com HIV temem por suas vidas e se veem forçados a buscar ajuda longe de casa.
O governo de Nicolás Maduro não divulga números oficiais atualizados. Mas a Agência das Nações Unidas de Luta contra a Aids (Unaids) – programa da Organização das Nações Unidas (ONU) voltado ao combate da doença – informa que, em 2017, dos 120 mil soropositivos que viviam no país 65 mil não estavam conseguindo fazer os tratamentos como deveriam.
Entre 2016 e os seis primeiros meses de 2019, o Núcleo de Controle de DST/AIDS/HIV de Roraima identificou 1065 pessoas vivendo com HIV ou Aids no estado: 993 brasileiros, 66 venezuelanos, quatro guianenses, um cubano e um haitiano.
No estado fronteiriço de Roraima, 6,2% dos pacientes em tratamento contra o HIV e a Aids na rede pública são venezuelanos, número que vem crescendo nos últimos três anos.
Misael Gonzalez Gomez, por exemplo, desconfiava que tinha o vírus desde 2014, mas só teve a confirmação quando fez exames para assumir um posto de trabalho em uma padaria. Após receber o diagnóstico, decidiu migrar para Roraima – cruzou a fronteira em 16 de janeiro. Cerca de 15 dias depois, conseguiu antirretrovirais. Hoje, tem o vírus indetectável.
Viver com o HIV é diferente de ter Aids. HIV é a sigla em inglês para vírus da imunodeficiência humana. Ele ataca principalmente células do sistema de defesa chamadas CD4 e torna os pacientes mais vulneráveis a outros vírus, bactérias e câncer.
No Brasil, a maioria das pessoas com HIV não tem Aids. Quem tem o vírus e se trata tem a mesma expectativa de vida de quem não tem.
‘Não vou morrer, vou ao Brasil’
Diagnosticada há 14 anos, Nilsa Hernandez, de 62 anos, quando fez exames após a morte do ex-marido. Ela cruzou a fronteira da Venezuela com o Brasil em busca de tratamento para o HIV em 2018.
Mãe de oito filhos, Nilsa diz que sente falta de estar perto da família: “Uma das coisas que mais dói de imigrar é a separação da família, não saber se jamais vou voltar a vê-los. Isso é o que mais me afetou”.
Ela não sabia como o sistema de saúde brasileiro funcionava, mas precisava de remédios e conseguiu. Hoje, oferece a própria casa para que outros venezuelanos soropositivos possam ter onde ficar quando precisam buscar ajuda em Roraima.
“Quando me diagnosticaram havia um bom controle na Venezuela, eu fazia consultas todos os meses e recebia remédios, conta. “Mas em 2016 começou a falhar. Chegava uma parte dos medicamentos, mas faltava sempre alguma coisa. Não podemos tomar um remédio e não tomar outro, porque o vírus se torna mais resistente.”
“Minha saúde estava mal, estava com uma complicação pulmonar, meu sistema imunológico baixou e as infecções oportunistas começaram a se manifestar. Foi quando tomei a decisão: não vou morrer, vou ao Brasil”, declarou.
Ela vendeu móveis que ainda restavam em sua casa, comprou passagens de ônibus e embarcou para Pacaraima junto com o neto de 12 anos e o marido, de 50 anos, que é brasileiro.
Assim que chegaram a Roraima, os três viveram na rua por uma semana. Depois, passaram por abrigos e há um ano alugam, com ajuda de amigos, uma casa onde hospedam os venezuelanos que vêm em busca de ajuda.
Informações: G1 Roraima