A crescente onda contra o desperdício de dinheiro público no país levou multidões às ruas nos últimos anos e teve forte impacto nas eleições presidenciais de outubro, mas não assustou o procurador Paulo Sérgio Oliveira de Sousa, do Ministério Público de Contas de Roraima. O procurador, que tem como atribuição profissional zelar pela boa aplicação do dinheiro público, recebeu R$ 1.606.715,90 só em diárias relativas a 180 viagens nacionais e internacionais desde 2012, conforme consta no portal de transparência do Tribunal de Contas local.
O valor indica que o procurador recebeu uma média de R$ 266 mil a cada ano, nos últimos seis anos, só para custear despesas com hospedagens fora de Boa Vista, onde mora. Os números revelam também que, em vez de se debruçar sobre contas, o fiscal botou o pé na estrada uma média de 30 vezes por ano, ou, 2,5 viagens por mês. Não existe um estudo formal sobre o assunto, mas o procurador é candidato a campeão nacional em viagens com dinheiro público.
Nem os últimos ministros das Relações Exteriores, que têm por ofício viajar, viajaram mais que o procurador. Levantamento no portal da transparência federal mostra que de julho de 2015 até agora, o governo desembolsou R$ 677.100 em diárias para bancar despesas de viagens do ex-ministro José Serra e do atual chanceler Aloysio Nunes Ferreira. Ou seja, uma média de R$ 225.600 por ano, quantia bem inferior à amealhada pelo fiscal “on the road”.
Aparentemente alheio aos protestos contra abusos e também às reclamações sobre as deficiências dos serviços públicos de saúde, educação e segurança, Sousa carregou o cartão de milhas com viagens aos Estados Unidos, França, Portugal, entre outros países, com viagens financiadas pelos cofres públicos de Roraima. As finanças do estado estão arrebentadas pela folha de pagamento dos servidores e por gastos que não se traduzem na boa qualidade dos serviços públicos. Por esse motivo, sofreu recentemente intervenção do governo federal decretada pelo presidente Michel Temer.
Os valores das diárias do procurador viajante impressionam no atacado (R$ 1,6 milhão) e no varejo. Numa viagem a Paris e Lisboa entre 17 e 27 de janeiro do ano passado, Sousa recebeu R$ 31.900 por 10,5 diárias. Três meses antes, numa viagem a Dublin, na Irlanda, entre 8 e 17 de setembro de 2016, o procurador faturou R$ 28.900 com 9,5 diárias. Quatro meses antes da passagem por Dublin, Silva passou a mão em mais R$ 31.900 por 10,5 diárias. Isso aconteceu três meses depois de ele receber R$ 28.900 por 9,5 diárias numa viagem de 6 a 15 de fevereiro para Miami.
A disposição do procurador para viajar é antiga. Entre 10 e 21 de dezembro de 2014, por uma esticada de La Plata (Argentina) a Las Vegas (Estados Unidos), ele recebeu R$ 28.900 por 9,5 diárias. Isso depois de abocanhar R$ 25.200 por uma viagem de 6 a 15 de outubro de 2014 a Barcelona, na Espanha. No roteiro do procurador viajante constam ainda viagens a Palma de Mallorca, Zurique, Rio de Janeiro, Campos do Jordão, Fortaleza, São Paulo e Brasília, entre outros endereços.
Pelos dados oficiais, o procurador embolsa R$ 3.047 a cada dia de viagem ao exterior. A diária é R$ 1.600 nas viagens pelo Brasil. Isso pode parecer uma cifra expressiva para a maioria dos brasileiros, sobretudo para quem ganha salário mínimo. Mas está dentro do padrão de remuneração do Tribunal de Contas e do Ministério Público de Contas de Roraima.
O salário de um procurador de contas de Roraima está em torno de R$ 30.400. O contra-cheque é engordado ainda com uma gratificação pelo simples fato de ser procurador, no valor de R$ 3.200. Os mimos não param por aí. Os procuradores têm direito a mais R$ 9.100 em auxílio-transporte, R$ 4.300 de auxílio-moradia, mais de R$ 3 mil em auxílio-alimentação e, por último, R$ 400 de auxílio-creche. Ao todo, um procurador recebe algo em torno de R$ 50 mil. Isso, claro, sem contar as diárias.
Procurado por ÉPOCA, Sousa primeiro disse achar que os valores acumulados das diárias não seriam, “tudo isso”, ou seja, R$ 1,6 milhão. Depois, disse que tinha certeza de que não era “tudo isso”. Afirmou, no entanto, que não saberia dizer quais eram os valores acumulados das diárias. Ele recomendou que a reportagem buscasse a informação no setor de recursos humanos do Ministério Público. Disse ainda que “muitas viagens” não teriam sido realizadas. Afirmou que teria recebido as diárias e, depois, devolvido o dinheiro. Mas não soube dizer quanto. “O máximo que recebi em um ano [em diárias] foi cento e poucos mil reais”, afirmou, sem precisar, porém, valores.
Viagens foram para defender a autonomia financeira, diz procurador
O procurador de contas teve ainda dificuldades para explicar a utilidade das viagens para o ofício de zelar pela boa aplicação do dinheiro público de Roraima. Questionado sobre uma viagem que fez a Miami para participar de um simpósio sobre direito de minorias, ele respondeu que foi a partir do evento que reuniu dados para cobrar do governo federal ressarcimento ao governo de Roraima pela demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em terras contínuas e não em ilhas, como seria mais comum nos Estados Unidos. “A demarcação em terras contínuas fez alguns fazendeiros mudar para outros estados. E isso provocou perdas para o estado”, disse o procurador.
Sousa disse ainda que viajou muito também para defender a autonomia financeira do Ministério Público de Contas. Devido à autonomia do MInistério Público, o procurador tinha poder para autorizar as próprias viagens. O procurador defendeu ainda os valores das diárias pagas a ele. A explicação é que hotéis são muito caros, alguns com pernoites de R$ 600 ou R$ 800. Além disso, explicou, quando vai a Brasília, tem despesas com aluguel de carro e motorista. Ele argumentou que exerce uma atividade de risco, que já sofreu ameaças e, por isso, precisa de proteção.
A reportagem tentou, sem sucesso falar com o novo chefe do Ministério Público de Contas de Roraima, Diogo Novaes. Segundo a assessoria, ele não iria se manifestar sobre o caso. A assessoria de imprensa do Ministério Público informou que nos dois últimos anos, Sousa devolveu aproximadamente R$ 300 mil de diárias recebidas. Parte da devolução ocorreu depois da decisão de Novaes de fazer uma auditoria sobre as viagens não só do procurador, mas de outros servidores do Ministério Público.
A assessoria informou ainda que, pelo sistema de controle interno, o procurador recebeu aproximadamente R$ 1,4 milhão desde 2012. A assessoria não explicou, no entanto, a diferença de mais de R$ 200 mil entre os dados dos portais do Tribunal de Contas e do Ministério Público de Contas. O Tribunal de Contas está investigando as contas de algumas viagens do procurador, mas até o momento não há indicação de resultados concretos.
Fonte: Época