Após morte de bebê, mãe denuncia caos na maternidade

Géssica Caroline ainda guarda o enxoval da filha e laudos que comprovam gravidez considerada de alto risco (Foto: Folha BV)
Géssica Caroline ainda guarda o enxoval da filha e laudos que comprovam gravidez considerada de alto risco (Foto: Folha BV)

Na casa de Géssica Caroline de Sousa, 27 anos, existe um berço vazio e um enxoval com roupas e sapatinhos para a filha recém-nascida, que não terá oportunidade de conhecer o quarto preparado pela família que aguardava ansiosamente por sua chegada. Isso porque a pequena Rafaela veio a óbito antes mesmo de completar 24 horas de nascida, na Maternidade Nossa Senhora de Nazaré, em Boa Vista. De acordo com a mãe, a morte da criança foi por conta de possível negligência em atendimento médico durante e depois do parto.

Géssica procurou o jornal para denunciar o descaso que vivenciou no único hospital materno público do estado. Eram por volta de 12h do dia 15 de maio quando deu entrada na maternidade após verificar rompimento da bolsa que envolvia a bebê no útero, sinal que indicou que entraria em trabalho de parto. Grávida de oito meses e com todas as consultas do pré-natal comprovadas e em dia, a mãe , que foi diagnosticada como gravidez de alto risco por laudo obstétrico, relatou que a equipe médica não forneceu estrutura e tão pouco atenção ao fato de que sua situação inspirava mais cuidados.

“Fui encaminhada para uma ala onde ficam as mães que estão prestes a ganhar neném e o local estava lotado. Meu parto teve que ser induzido e deveria ter sido cesárea por conta da minha gravidez de risco. Fiquei doze horas sentindo muita dor até que minha filha nasceu, 1h da manhã, com a ajuda da minha prima, que era quem estava comigo na sala. Não havia leito disponível porque a maternidade estava lotada. Rafaela nasceu embaixo de um lençol e só despois o médico de plantão apareceu”.

Conforme explicado pela mãe, a criança que nasceu de 36 semanas, só foi levada para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) na manhã do dia 16 de maio, quando houve troca de plantão.

“O médico plantonista da madrugada apenas me entregou a neném e pediu para que eu a amamentasse. Ela só foi examinada pela manhã por outra médica que viu que minha filha estava na cor roxa, mas parecia tarde demais. Ela teve três paradas cardíacas e faleceu”, disse emocionada.

Géssica ainda contestou as informações divulgadas pela direção da maternidade em matéria publicada no dia 19 de junho pela Folha, sobre o óbito de 68 recém-nascidos nos primeiros cinco meses deste ano.

“A direção da maternidade disse que a maioria dos bebês que morriam eram de mulheres venezuelanas sem pré-natal, mas sou brasileira, fui em todas as consultas, recebi acompanhamento nutricional e por descaso deles o meu sonho de ser mãe foi interrompido. Não tem material, não tem médicos suficientes para atender as mães que estão lá e não tem estrutura para as mães que estão ali, independente da nacionalidade delas. Rafaela não voltará para mim, mas quero que o governo seja responsabilizado pelo que aconteceu, para que outras mães não passem pelo que passei” desabafou.

Conforme dados divulgados pela SESAU, nasceram de janeiro de 2018 até o mês de maio de 2019, no município de Boa Vista, 8. 918 crianças. Em um ano e seis meses, foram contabilizados 148 óbitos. Maioria das mortes foram por doenças do aparelho circulatório e causas externas de morbidade.

Sesau afirma que pacientes de alto risco são priorizadas e que o bebê teve parada cardíaca

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Saúde (SESAU) para saber o posicionamento da Maternidade Nossa Senhora de Nazaré frente às denúncias e relatou que medidas serão realizadas para lidar com os problemas relatados pela paciente do hospital materno. Em nota, a Sesau informou que as pacientes com gestação de alto-risco em Roraima são acompanhadas através do CRSM (Centro de Referência de Saúde da Mulher), onde há obstetras especialistas em gestação de alto risco, e que o HMI (Hospital Materno Infantil), ao receber essas pacientes, segue os critérios de atendimento materno infantil de alto risco preconizado do MS (Ministério da Saúde), onde aplica-se a assistência baseada nas boas práticas de assistência ao parto e nascimento.

Ressalta que o HMI dispõe de médicos ginecologistas, obstetras, pediatras, neonatologistas, enfermeiros e técnicos de enfermagem, habilitados nas boas práticas de assistência ao parto e nascimento, esses profissionais permanecem à disposição das pacientes 24h/dia.

“No caso mencionado, a paciente citada desenvolveu a chamada diabetes gestacional – é uma doença grave que atinge algumas mulheres durante o período de gravidez e que representa alto risco para o bebê ao nascimento – no entanto, ela recebeu todos os cuidados assistenciais materno infantil necessários no atendimento. Ao nascer, foi realizado o teste de Apgar – teste que realiza avaliação da frequência cardíaca, respiração, tônus muscular, prontidão reflexa e cor da pele – e o bebê obteve um bom resultado, 8.9, e foi mantido com a mãe, em observação. Levando-se em consideração a diabete gestacional da mãe, exames mais específicos também foram solicitados para rastrear qualquer evento adverso, bem como rigorosa observação clínica, já que a diabete gestacional aumenta consideravelmente a chance de o recém-nascido ter má formação congênita”.

Ainda segundo a Maternidade, o bebê permaneceu estável junto à mãe, porém evoluiu com sintomas decorrentes de um problema cardíaco, que foi imediatamente assistido por uma pediatra, que deu toda assistência necessária, mas apesar de todos os cuidados da equipe do HMI que agiu de acordo com o que é preconizado pelo MS, o bebê veio a óbito.

“A diabetes gestacional somada a má formação congênita e outros fatores clínicos, aumentam as chances de um bebê recém-nascido vir a óbito. Portanto, há um imenso esforço da equipe do HMI em oferecer a melhor assistência materno infantil aos bebês que nascem no Estado”

Psicóloga ressalta a importância de apoio emocional às mães que perderam seus filhos

A psicóloga Georgia Moura falou sobre importância do apoio familiar às mães que vivem o luto da perda de um filho. Conforme explicado por ela, cada ser humano manifesta as dores emocionais de formas diferentes, mas que devido ao vínculo dos noves meses e a expectativa gerada, a mulher que não teve a oportunidade de viver a maternidade requer tempo e paciência dos que convivem com ela.

“Foi criada uma expectativa, foi gerado sonhos e do dia para a noite foi interrompido, o que não é fácil para lidar. Existem mães que em primeiro momento não choram e são elas que acabam dando apoio ao restante dos familiares, mas depois que a ficha cair e se não houver ninguém perto, a situação pode se complicar”.

Georgia disse que antes de planejar uma nova gravidez, é importante que a mãe viva o luto da perda, mas que não há um tempo estabelecido para que termine. “Cada mulher tem seu próprio tempo. Nada substitui um filho, mas quando ela conseguir olhar para a situação sem que isso interfira na sua rotina, e que não sinta mais o ´peso` ao lembrar do que viveu, ela poderá novamente pensar em um futuro bom”, concluiu.

Informações: Folha de Boa Vista