Já temos informações e estudos científicos para comprovar a importância dos três primeiros anos desde o nascimento, quando se desenrola todo o potencial de estímulo em uma criança, a estruturação de sua condição emocional e, consequentemente, a felicidade em sua vida adulta. Mas se este investimento tem um retorno alto no futuro, como atender o imediatismo da política? Cuidar da primeira infância precisa fazer parte de planos de governos em longo prazo, e não apenas ser ações isoladas de assistência social.
Enfrentando paradigmas políticos e os históricos indicadores da região Norte, Boa Vista (RR) tornou-se a Capital Brasileira da Primeira Infância, título que a ex-prefeita da cidade Teresa Surita (MDB) atribui à atuação integrada de políticas locais e ao engajamento da comunidade. Como convidada da coluna, ela conta um pouco da trajetória de sua cidade na agenda da infância e reforça o legado positivo para seu futuro: “Enquanto prefeita da capital de Roraima, investir na primeira infância foi programa de governo. Aprendi que promover na sociedade esse desenvolvimento dos primeiros anos significa dar oportunidades a futuras gerações para uma vida com maior equilíbrio emocional, escolhas assertivas, relacionamentos mais duradouros, prevenção às drogas, ou seja, uma geração mais feliz. Tudo isso comprovado cientificamente”.
Uma política para a primeira infância precisa ser intersetorial e abranger todo o sistema público. Surita destaca ainda os impactos do desenvolvimento das crianças para suas comunidades, que acabam tendo consequências essencialmente econômicas. Cada dólar investido em uma criança pequena traz um retorno de 7 dólares na fase adulta, segundo estudo do ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2000 James Reckman.
“Ao assumir a prefeitura em 2013, não tive dúvidas de que transformar Boa Vista na Capital da Primeira Infância no Brasil seria o maior legado que poderia deixar para a nossa cidade. Naquela época, pouco se falava sobre primeira infância ou sobre as sinapses e conexões que acontecem no cérebro de uma criança, desde sua concepção. Ao contrário do que se pensa, investir na primeira infância não demanda tanto tempo. As crianças respondem muito rápido aos estímulos e para as famílias esse retorno é positivo e palpável, a curto prazo”, destaca a ex-prefeita, filiada ao MDB.
Mas, priorizar a primeira infância ainda é, sem dúvida, uma decisão política que requer boa dose de ousadia. Além da falta de bons modelos a seguir, são inúmeras as barreiras a serem enfrentadas. A principal delas é a mudança de uma cultura, é fazer os gestores compreenderem a importância desse investimento e a sociedade como um todo valorizar esse trabalho.
Na abordagem da cidade de Boa Vista, as várias áreas da administração se complementam, da segurança pública à infraestrutura urbana. Como resultado, surgem experiências de uma cidade projetada para a criança, com espaços personalizados, respeitados e bem cuidados, em praças, creches, escolas, hospital, em eventos, para a criança e sua família.
“A porta de entrada é o Programa Família Que Acolhe. Lá as gestantes e cuidadores passam a participar da Universidade do Bebê, com oficinas, consultas, dinâmicas, acompanhamentos, inclusive com visitas domiciliares, que trabalham o desenvolvimento integral de seus filhos. E, o que é melhor, toda mãe participante da Universidade do Bebê já tem assegurada a vaga do filho na creche. Essa foi uma das formas de atrair para o programa, já que em Roraima, como em todo o Brasil, a demanda reprimida por creches é muito significativa. Foi uma estratégia que valeu tanto para as famílias quanto para a própria gestão, porque tivemos que correr atrás de recursos para construir novas unidades e conquistamos um aumento de 348% na oferta de vagas nas creches, o que é um enorme avanço. A expectativa é zerar essa carência de atendimento em até 8 anos, isso se continuarmos priorizando a primeira infância em Boa Vista como até aqui”, complementa.
A cidade conta ainda com praças chamadas “Selvinhas Amazônicas”, únicas em todo o país. Inclusive em um bairro afastado do centro, o Nova Cidade, onde a grande maioria dos moradores é de baixa renda, está a primeira praça da primeira infância do Brasil, construída com a consultoria da Fundação Bernard Van Leer, obedecendo a todas as regras de um espaço público voltado à criança.
“Uma coisa boa e relevante nisso tudo é nunca tratar a pobreza pobremente. Sempre levei qualidade para obras e atendimentos, sem importar para quem ou onde estávamos atuando, buscamos oferecer oportunidades iguais. Mais do que nunca, sou uma defensora da causa da primeira infância e acredito que, ao enxergarmos a criança em todos os contextos, enxergamos a família, alcançamos a sociedade inteira e temos como trabalhar melhor as competências e habilidades das próximas gerações. O mundo precisa de atenção, a começar pelas crianças. Então, mãos à obra!”, incentiva a ex-prefeita de Boa Vista.
Como resultado desse trabalho, Teresa Surita tem sido convidada a compartilhar suas experiências no Brasil e no exterior (EUA, Inglaterra, Itália, Alemanha, Holanda, Dinamarca, Colômbia, Chile e Equador). Atualmente, integra a Rede de Líderes para a Primeira Infância na América Latina e Caribe; é parceira da Bernard Van Leer Foundation e da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal; e é Comissária da Lancet-Chatham House Commission 2020-2022, que vai sugerir ações globais de saúde pública pós-covid 19.
Informações: Luanda Nera e Carol Guimarães – Coluna Primeira Infância/UOL